E-DIGITAL: CEM AÇÕES OU SEM AÇÕES?


O ano novo brasileiro na Internet começou na última quarta-feira. Ou, pelo menos, o ritual foi muito parecido. Com tantas boas intenções anunciadas no E-Digital – a Estratégia Digital do Governo Federal – o documento ficou parecido com aquelas promessas que fazemos a nós mesmos na noite do réveillon, cuja efetiva realização não tem fundamentos sólidos.
Ao todo são cem ações propostas para os próximos 4 anos, visando aumentar a disponibilidade de soluções digitais no Brasil. Basicamente, maior e melhor cobertura por banda larga.
No documento há fortes sinais de gestação em gabinetes, até com algum amadorismo. Por exemplo, ao se referir às fontes de recursos para cumprimento das ações, um dos itens se apoia na "possibilidade concreta de aporte significativo das operadoras de telecomunicações na ampliação das suas redes de transporte de dados e de acesso (fixo e móvel) em banda larga." Ora, ora, o Governo não tem dados a respeito do potencial de mercados Brasil afora para atrair investimentos das operadoras? Não cogita abrir esses mercados para outras empresas do setor, no caso das atuais prestadoras não se interessarem? Ou sabe de tudo isso e concluiu que vai depender de atos de benemerência das empresas de telecomunicações?
Por tudo isso o E-Digital, desenvolvido por um Grupo de Trabalho Interministerial, sob coordenação do MCTIC – Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, ficou com cara de peça publicitária de campanha do titular da pasta, Gilberto Kassab. Ele está às vésperas de deixar o cargo para se candidatar a vice-governador de São Paulo. Lembrando que no ano que vem o presidente será outro, as cem ações propostas podem fazer do E-Digital um documento sem ações.
O ex-prefeito de São Paulo passou pelo MCTIC num período de muitas mudanças no setor. Como exemplo, o desligamento do sinal analógico de TV aberta e o lançamento do primeiro satélite brasileiro (SGDC). Mas uma das marcas da gestão – que até pode não ser por determinação do Ministro – é o excesso de cuidados no trato de questões relacionadas às teles. Hoje elas são tratadas no Governo como gigantes do provimento de uma infraestrutura indispensável para o país, de perfil estratégico, grandes empregadoras e investidoras. Ou seja, tornaram-se as empresas privadas que desfrutam de um certo status de estatais.

A “LEI DA PALMADA” PARA AS TELES

Educadores em geral, principalmente os mais voltados à primeira infância, costumam repetir insistentemente: “-não adianta bater, o importante é conversar”. Levaram tão longe a recomendação que fez surgir a famosa “Lei da Palmada”. O pai que der palmadas ou aplicar outros castigos físicos ao próprio filho, pode ser processado pelo estado.
Nesta semana a Anatel apresentou um discurso parecido durante evento sobre o RQUAL, o novo Regulamento de Qualidade dos Serviços de Telecomunicações. Num workshop o Superintendente Nilo Pasquali, da área de Planejamento e Regulamentação da agência, disse que as multas não têm se mostrado eficientes para manter a qualidade dos serviços prestados pelas teles. Ele entende que novos mecanismos devem ser agregados.
O novo RQUAL, que estará em consulta pública por mais duas semanas, vai reduzir de forma significativa a quantidade de indicadores usados para mensurar a qualidade dos serviços. O argumento é de que a Anatel quer “a visão do usuário”, que seria diferente de um monte de dados técnicos. O afrouxamento das regras inclui também a publicação semestral dos dados referentes a cada indicador, ao invés da publicação mensal, como ocorre atualmente. Lembrando que a coleta dos dados estará a cargo das próprias operadoras. Pasquali cita ainda a tendência de diminuir a regulamentação no setor.
Numa avaliação mais baseada nos fatos fica difícil afirmar que as multas não surtiram efeito. Por enquanto, os PADOs – Procedimentos de Apuração de Descumprimento de Obrigações, têm se transformado em processos administrativos e judiciais, não em recolhimentos em favor da agência. As “não-multas”, essas sim, não demonstraram qualquer eficiência. São os TACs, Termos de Ajuste de Conduta, onde a prestadora recebe um leve puxão de orelhas, reconhece suas falhas e assume obrigações compensatórias, fazendo com que as multas sejam anuladas.
O TAC da Telefônica é o mais famoso até agora. Foi aprovado em 2016 e previa a transformação de R$ 3 bilhões de multas da concessionária em R$ 5 bilhões de investimentos na própria rede da empresa, para melhorar o atendimento dos usuários. Há um ganho claro para o consumidor nessa troca. Com a ressalva de que ele nunca aconteceu. No início deste mês a Telefônica Brasil S.A. enviou a carta CT.LLACB n° 224/18 à Anatel decidindo não prosseguir na finalização do TAC nas bases em discussão. Foi só a Anatel afirmar que então cumpriria “de modo estrito, as previsões legais e regulamentares em vigor” (cobrar as multas) e a Telefônica pensou melhor. Se desmentiu, disse que nunca quis anular o TAC. A Anatel, compreensiva como sempre, voltou atrás e o TAC continua em negociação. A empresa deveria estar assustada, né!? Ô, dó!

A GENTE SABE COMO É

Haveria uma explicação aceitável para essa proteção que o firmamento das autoridades constituídas emana em direção às teles: elas pagam quantias vultosas em impostos. Tanto na esfera federal quanto na estadual. Em alguns estados, para cada 3 minutos em que você usa o celular, um minuto é pago como imposto. Varia de um para outro, mas, em nenhum caso, um minuto de imposto paga mais do que 5 minutos de uso. Isso só em tributos estaduais.
Porém, o potencial tributário não parece ser o único motivo de tanta adulação. Sem considerar as eventuais razões inconfessáveis, as autoridades demonstram sinais de incompetência para tratar qualquer assunto no segmento empresarial de tecnologia. São produtos e serviços complexos, que se substituem continuamente, gerando novos modelos de negócios, derrubando outros. É uma dinâmica que não faz parte do cotidiano das autoridades. É o que demonstram nas argumentações mais elementares. 
Ao citar, por exemplo, a ineficiência da divulgação mensal dos dados referentes à qualidade dos serviços de telecomunicações, o Superintendente Nilo Pasquali argumenta, em outras palavras, que não dá tempo para os usuários acompanharem e nem para as operadoras agirem. Desde quando dados precisos podem ser tóxicos aos gestores? Os períodos de análise de séries históricas podem variar, porém, quanto mais dados houver, mais segura será a tomada de decisões de correção.
E, se no final das contas, as autoridades estão corretas em tudo que dizem sobre as telecomunicações, então é a comunicação oficial que não está clara. Os argumentos que apresentam são frágeis e quase insultam a inteligência de quem escuta. Afinal, independentemente da complexidade que cerca esses temas, quando a gente olha para o celular fica difícil sentir a sensação de segurança. Quando acessamos a Internet, sabemos que não podemos contar sempre com o mesmo padrão de qualidade, muito menos com as promessas do vendedor. Nem o filme que a TV a cabo anuncia é certeza de entrar no ar. Simples assim. 

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